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Resma de Alfarrábios

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domingo, 3 de junho de 2007

Corporativês versus Português: a batalha do século

Faz pouco menos de 6 meses que deixei aquela vida de programador e acadêmico, e entrei para o mundo dos executivos. Agora, terno e gravata todo dia, 60 horas semanais de trabalho, em casa só nos fins de semana (quando muito!), e diferentes preocupações na minha mente. Já tive direito até a um princípio de infarto, em pronta recuperação. Ou seja, pacote completo.

E, nesse tempo, algumas coisas já me chamaram a atenção. A primeira é que as relações interpessoais aqui são muito diferentes. Na Academia, era muito comum alguém expressar diretamente seu desapreço por outra pessoa. Seja nas relações docente-discente, docente-docente, discente-discente, ou qualquer outra relação decente, lá não é moralmente reprovável você desgostar de outrem. Do lado de cá, é - o que eu acho um ponto muito positivo. Então, em vez de descartar a pessoa desprezada, o comportamento esperado é o de tentar encontrar os pontos positivos dela, e melhor aproveitá-los para o bem do coletivo.

Mas, claro, há pontos negativos por aqui também. Mas o que mais me incomoda à primeira vista é o tal do "corporativês". Esse dialeto esdrúxulo, que permeia as caixas de e-mail do Lotus Notes, recheado dos gerundismos tão peculiares dos atendimentos de telemarketing (e que não são o pior dele, eu juro!), é uma maldição. Não no sentido figurado: uma maldição mesmo, daquelas que chega em você, e só sai com muita oração, perseverança e disciplina.

Deixa eu exemplificar: sabe aquela música ruim que, ao tocar no rádio, fica enfurnada na sua cabeça? Aquela que, quando você menos espera, aparece na sua boca e você cantarola o refrão, sentindo-se o pior dos seres por perpetuar esse mal para a humanidade e para a arte? Pois é: corporativês é assim. Se você está fatigado, e precisa escrever um e-mail corporativo a alguém, começam a sair as expressões mais desprovidas de sentido etimológico. Eu, como um bravo guerreiro, tenho sobrevivido até hoje aos gerundismos (se eles querem meu corpo, só se eu estiver morto, só assim). Mas os demais, os mais graves, aparecem. Por isso eu gasto, em média e nos períodos de cansaço, o dobro do tempo que uma pessoa comum para escrever um e-mail hoje. Metade do tempo, eu escrevo o e-mail. Na outra metade, eu traduzo ele do corporativês para o Português (se eu fizer isso por mais algum tempo, talvez possa até me candidatar a secretária bilíngüe).

E nas falas? Esses dias, eu dei xilique: "Não me chama de proativo! Eu não sou proativo! Eu como gente proativa com requeijão light e pão integral, porque o médico proibiu pão branco e manteiga, no café da manhã!". Em tom de brincadeira, claro. Mas, no fundo, eu mesmo me seguro muito para não dizer "proativo" às vezes. A frase está lá, prontinha, e eu preciso reformulá-la para encaixar um "ter iniciativa", ou coisa similar. Dá trabalho ser um paladino do idioma, nessa terra de assassinos da língua mátria. E, aliás, coisa que eu percebi nesses dias: essas expressões são todas herdadas do inglês mal-traduzido. Foi por acaso: pedi prum rapaz traduzir-me uns textos do inglês para o português, e ele retornou umas expressões grifadas, dizendo "olha, isso aqui eu traduzi ao pé-da-letra, porque eu não sei melhor forma de fazê-lo". Daí eu olhei para o texto, e vi, grifadas, as expressões campeãs de uma cartela de Business Bingo. Ou seja, o campeão dessas expressões é o BabelFish (o da Internet, não o do Douglas Adams).

Mas o que conforta é que não estou só nessa guerrilha. Às vezes, chega uma mensagem de alguém que fala Português fluente - para minha alegria e júbilo. O que precisamos, então, é não esmorecer. Preservar as raízes históricas do idioma, não ceder às injustiças cometidas por quem não dá a mínima para ele. A luta continua, companheiros!