tag:blogger.com,1999:blog-88403532024-02-28T01:32:50.858-03:00Resma de AlfarrábiosArtigos de Fernando Aires.
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Comentários podem ser escritos na seção "Rabiscos" de cada artigo, e serão benvindos e lidos com carinho.Fernando Aireshttp://www.blogger.com/profile/02490909278434101660noreply@blogger.comBlogger13125tag:blogger.com,1999:blog-8840353.post-79359747081040035382007-06-03T09:58:00.000-03:002007-06-03T10:54:17.895-03:00Corporativês versus Português: a batalha do séculoFaz pouco menos de 6 meses que deixei aquela vida de programador e acadêmico, e entrei para o mundo dos executivos. Agora, terno e gravata todo dia, 60 horas semanais de trabalho, em casa só nos fins de semana (quando muito!), e diferentes preocupações na minha mente. Já tive direito até a um princípio de infarto, em pronta recuperação. Ou seja, pacote completo.<br /><br />E, nesse tempo, algumas coisas já me chamaram a atenção. A primeira é que as relações interpessoais aqui são muito diferentes. Na Academia, era muito comum alguém expressar diretamente seu desapreço por outra pessoa. Seja nas relações docente-discente, docente-docente, discente-discente, ou qualquer outra relação decente, lá não é moralmente reprovável você desgostar de outrem. Do lado de cá, é - o que eu acho um ponto muito positivo. Então, em vez de descartar a pessoa desprezada, o comportamento esperado é o de tentar encontrar os pontos positivos dela, e melhor aproveitá-los para o bem do coletivo.<br /><br />Mas, claro, há pontos negativos por aqui também. Mas o que mais me incomoda à primeira vista é o tal do "corporativês". Esse dialeto esdrúxulo, que permeia as caixas de <i>e-mail</i> do <i>Lotus Notes</i>, recheado dos gerundismos tão peculiares dos atendimentos de <i>telemarketing</i> (e que não são o pior dele, eu juro!), é uma maldição. Não no sentido figurado: uma maldição mesmo, daquelas que chega em você, e só sai com muita oração, perseverança e disciplina.<br /><br />Deixa eu exemplificar: sabe aquela música ruim que, ao tocar no rádio, fica enfurnada na sua cabeça? Aquela que, quando você menos espera, aparece na sua boca e você cantarola o refrão, sentindo-se o pior dos seres por perpetuar esse mal para a humanidade e para a arte? Pois é: corporativês é assim. Se você está fatigado, e precisa escrever um <i>e-mail</i> corporativo a alguém, começam a sair as expressões mais desprovidas de sentido etimológico. Eu, como um bravo guerreiro, tenho sobrevivido até hoje aos gerundismos (se eles querem meu corpo, só se eu estiver morto, só assim). Mas os demais, os mais graves, aparecem. Por isso eu gasto, em média e nos períodos de cansaço, o dobro do tempo que uma pessoa comum para escrever um <i>e-mail</i> hoje. Metade do tempo, eu escrevo o <i>e-mail</i>. Na outra metade, eu traduzo ele do corporativês para o Português (se eu fizer isso por mais algum tempo, talvez possa até me candidatar a secretária bilíngüe).<br /><br />E nas falas? Esses dias, eu dei xilique: "Não me chama de proativo! Eu não sou proativo! Eu como gente proativa com requeijão <i>light</i> e pão integral, porque o médico proibiu pão branco e manteiga, no café da manhã!". Em tom de brincadeira, claro. Mas, no fundo, eu mesmo me seguro muito para não dizer "proativo" às vezes. A frase está lá, prontinha, e eu preciso reformulá-la para encaixar um "ter iniciativa", ou coisa similar. Dá trabalho ser um paladino do idioma, nessa terra de assassinos da língua mátria. E, aliás, coisa que eu percebi nesses dias: essas expressões são todas herdadas do inglês mal-traduzido. Foi por acaso: pedi prum rapaz traduzir-me uns textos do inglês para o português, e ele retornou umas expressões grifadas, dizendo "olha, isso aqui eu traduzi ao pé-da-letra, porque eu não sei melhor forma de fazê-lo". Daí eu olhei para o texto, e vi, grifadas, as expressões campeãs de uma cartela de <a href="http://www.eleuterio.com/bingo/"><i>Business Bingo</i></a>. Ou seja, o campeão dessas expressões é o <a href="http://babelfish.altavista.com/"><i>BabelFish</i></a> (o da Internet, não o do Douglas Adams).<br /><br />Mas o que conforta é que não estou só nessa guerrilha. Às vezes, chega uma mensagem de alguém que fala Português fluente - para minha alegria e júbilo. O que precisamos, então, é não esmorecer. Preservar as raízes históricas do idioma, não ceder às injustiças cometidas por quem não dá a mínima para ele. A luta continua, companheiros!Fernando Aireshttp://www.blogger.com/profile/02490909278434101660noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-8840353.post-1166909306387587142006-12-23T19:25:00.000-02:002006-12-26T10:47:25.026-02:00Espírito natalino e o divino ato de ser humanoO tal do "espírito natalino" é uma daquelas coisas as quais o significado se desvirtuou. Aliás, o Natal em si já não é mais muito significativo. Não me refiro aos materialistas, que pensam que Natal é época de trocar presentes, porque até a troca de presentes - em moldes um tanto diferentes do jeito de hoje, claro - pode ter lá um significado, e o chavão de dizer "ah, Natal é época de estar presente" já também desvirtou esse tal espírito natalino. Hoje, vende-se o Natal como época de promover a solidariedade e os sentimentos bons. Como se só no Natal isso fosse necessário.<br /><br />Ora, todo mundo aí certamente sabe o que é o Natal. Segundo a tradição cristã, nasceu há uns 2000 anos um menino que era pela profecia o Messias enviado, o próprio Deus encarnado na Terra. Dizer que as pessoas esquecem disso é falso, e facilmente desprovado pela quantidade de presépios que se vê por aí. A questão, então, é o porquê disso ter sido feito. Deus, que é Amor, resolve encarnar na Terra, para satisfazer a esperança. Os livros que narram o assunto falam da restauração da dignidade de Isabel (ou Elizabeth, dependendo da tradução), da obediência fiel de Maria, mas também falam da descrença de Zacarias e do julgamento precipitado de José. Deus na Terra vem e manifesta em tudo aquilo que é humano. Humano como Deus criou e viu que era bom.<br /><br />Então, o tal do espírito natalino não pode ser outro senão o da aceitação da humanidade, de forma completa. Por isso, anda sem medo, sem dor, sem pudor. Traz consigo o canto, o silêncio, a tristeza, a alegria, a temperança e a raiva. Traz tudo que é seu: de nada se desfaça, porque o Amor só Ama ao todo. Vem com os pecados e com as bênçãos. E é com essas palavras, trazendo significado ao meu desejo, que posso dizer: feliz Natal.Fernando Aireshttp://www.blogger.com/profile/02490909278434101660noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8840353.post-1152508343058531552006-07-09T23:26:00.000-03:002006-07-10T02:18:30.166-03:00Copa do Mundo e nossa cultura (ou "recusa a fazer mais um trocadilho infame com a frase 'A taça do mundo é nossa', por protesto")Há de se falar sobre Copa do Mundo. Afinal, esta que acabou há algumas horas, inevitavelmente fez parte da vida de cada brasileira e de cada brasileiro nesse último mês. Como uma gripe, que invade nossos sistemas imunológicos dando às favas à nossa autorização para tal, a Copa é assunto obrigatório em todos os círculos sociais. Até eu, rabugento como sou, fiz minha parte. Dei palpites, torci pela Croácia, emocionei-me com a tradução do <a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/Kde_domov_muj">hino da República Tcheca</a> (que não derrama uma gota de sangue, por estranho que possa parecer), e no melhor estilo <i>fair play</i>, fiz questão de comer hoje uma <i>bruschetta</i> italiana e um <i>croissant</i> francês com minha namorada, num lugar chamado "Padaria Alemã".<br /><br />Mas algumas coisas chamaram-me à atenção nesse mês de futebol. Em particular, sobre o país do futebol, e sobre quão duro ele é consigo mesmo. Era um assunto sobre o qual eu já havia me apercebido há algum tempo, mas que durante a Copa mostrou-se de maneira gritante.<br /><br /><a href="http://www1.folha.uol.com.br/folha/esporte/ult92u103481.shtml">Primeiro caso</a>: Brasil joga contra a Croácia. Durante o jogo, um torcedor, com uma camisa feita com tecido de toalha de piquenique, e um tabuleiro de damas pintado no rosto, invade o campo. Comentário no dia seguinte: "O torcedor croata que invadiu o gramado por 5 minutos correu mais em campo que o Ronaldo nos 90 minutos". Bem-humorado, não nego. Mas pense a seguinte situação: torcedor com camisa da seleção canarinho e rosto pintado com figuras geométricas distintas em cores primárias invade o campo. Aposto a falangeta do meu mindinho esquerdo que o comentário no dia seguinte seria algo como: "Brasileiro não respeita nada, não tem educação, só dá vexame. Faz a gente passar vergonha no meio da Copa". Do croata, nada foi dito - apenas aproveitou-se a chance para achincalhar ainda mais nosso atacante, e seu desempenho pífio.<br /><br /><a href="http://www1.folha.uol.com.br/folha/esporte/ult92u104112.shtml">Segundo caso</a>: quatro torcedores gregos bêbados fazem gesto de saudação nazista num bar, após a vitória da seleção Alemã sobre o Equador, e são presos. Comentário no dia seguinte: "Nossa, como a polícia alemã é eficaz, e como a Alemanha leva a sério essa questão do respeito. Não como a bagunça que é aqui no Brasil, onde ninguém respeita nada, não olha pelos outros, muito menos se preocupa em corrigir os erros do passado". Dos gregos, nada foi dito.<br /><br />Haverá, certamente, um <a href="http://esportes.terra.com.br/futebol/copa2006/interna/0,,OI1065165-EI5485,00.html">terceiro caso</a> digno de nota amanhã - que eu, como não sou advinho nem nada, ainda não posso narrar. Hoje, um torcedor italiano foi preso por tentar entrar no estádio com ingresso falsificado. Mas eu não ficarei surpreso se alguém falar algo como "aposto que foi um cambista brasileiro que vendeu o ingresso prá ele". E, sobre o italiano, a minha falanginha que segura a falangeta apostada no caso do croata entra na aposta, caso alguém faça alguma espécie de censura.<br /><br /><i>(Nota: claro que as apostas são fictícias, e servem apenas para dar dramaticidade ao texto. Um autor sempre lança mão de alguns artifícios para enfatizar sua retórica - o que não dá o direito a ninguém de criticar o italiano amanhã, e em seqüência ameaçar-me com uma machadinha...)</i><br /><br />Bom, sem contar a seleção brasileira em si. Tudo bem, não ganhamos, e jogamos um "futebol burocrático". Muito parecido, aliás, com o de 1994. Mas em 1994 todos pulamos, e comemoramos - afinal, vencemos. Nesse, ficamos em quinto lugar. A seleção argentina (que terminou a competição atrás do Brasil) chega em seu país ovacionada. O Scolari chega em Portugal como um novo Sebastião. A torcida alemã sai às ruas para celebrar o terceiro lugar. Mas não! Nós, brasileiras e brasileiros, não podemos nos contentar com menos que o primeiro. Ficamos em quinto, mas decepcionamos. Não porque jogamos mal - o Brasil jogou um futebol cauteloso, mas fez seu papel nos cinco jogos (exceção feita talvez ao contra a Croácia, no qual o Brasil realmente "se perdeu" um pouco), inclusive criando algumas boas chances contra a França, que fechou-se completamente, e com isso garantiu por seus próprios méritos a vitória -, mas porque não conseguimos chegar lá.<br /><br />E claro que isso se reporta a outros elementos da vida, fora da Copa do Mundo. Lembro-me, e conto aqui como anedota, de que certa vez ouvi: "Nossa, os metrôs da Alemanha são lindos!", e perguntei "Por quê?". Qual não foi minha surpresa ao receber como resposta: "Várias estações de metrô alemãs têm obras de arte"? "Como as de São Paulo?", retruquei. "Não, não, mas as de lá têm esculturas". "Como as de São Paulo?", repeti novamente, em tom irônico. E não recebi mais respostas. Talvez porque não houvesse. Há, sim, uma exigência exacerbada (inerente à cultura, talvez), de achar o nosso nunca bom o suficiente, e o de "lá de fora" sempre melhor. E, assim como na questão do <a href="http://resmadealfarrabios.blogspot.com/2006/02/pseudo-intelectuais-pobreza-e-os.html">"paradoxo da pobreza"</a> que citei em outro artigo, não consigo entender a razão. Começo a achar que o erro, talvez, esteja em mim.<br /><br />Mas não vejo aonde...Fernando Aireshttp://www.blogger.com/profile/02490909278434101660noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-8840353.post-1145048010519650812006-04-14T17:28:00.000-03:002006-04-14T23:32:20.756-03:00Retificações (ou rabiscos sobre rabiscos)<h4>Marla Olmstead</h4>No artigo <a href="http://resmadealfarrabios.blogspot.com/2004/11/marla-e-circunciso.html">Marla e a Circuncisão</a>, talvez eu tenha sido duro demais com a pobre criança. Depois de ter publicado, recebi contatos de vários amigos e de várias amigas, com várias outras posições à respeito da menina, escritas por gente que entende muito mais de arte do que eu. Talvez ela não tenha a precisão de um <a href="http://www.mcescher.com/">Escher</a>, mas consegue selecionar cores com precisão e harmonia (tarefa difícil mesmo para adultos - o <a href="http://www.parquedpedro.com.br/mainsite/mall/mall_items.aspx?ci=1&id=52&menu=61&submenu=118">Shopping Parque D. Pedro</a> em Campinas é um bom exemplo disso). Se tiver uma exposição dela no Brasil, já penso em ir (desde que, claro, não envolva um filme com ninguém operando partes do corpo).<br /><h4>Nietz<b>s</b>che</h4>Logo eu, um <a href="http://resmadealfarrabios.blogspot.com/2004/10/preconceituoso-lingstico-esclarecido.html">Preconceituoso Lingüístico Esclarecido</a>, descobri hoje que erro a grafia do nome do Nietzsche desde sempre. Inclusive no <a href="http://resmadealfarrabios.blogspot.com/2006/02/pseudo-intelectuais-pobreza-e-os.html">artigo passado</a>, já devidamente corrigido.<br /><h4>Blogs</h4>Andei estudando coisas sobre um conceito de computação chamado Web 2.0, e fiz até um <a href="http://web20newbie.wordpress.com"><i>blog</i> sobre o assunto</a> (em inglês). O que mostra claramente que minha <a href="http://resmadealfarrabios.blogspot.com/2004/10/uma-tese-sobre-blogs.html">tese sobre <i>blogs</i></a> sofreu algumas alterações. Talvez isso se reflita neste próprio <i>blog</i>, em coisas como espaços para comentários. Vamos ver.Fernando Aireshttp://www.blogger.com/profile/02490909278434101660noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8840353.post-1140391817429382712006-02-19T17:06:00.000-03:002006-04-14T17:27:00.440-03:00Pseudo-intelectuais, a pobreza e os paradoxos da sociedade modernaMuitas pessoas têm alguns costumes que fogem-me à compreensão, por paradoxais que são. Por exemplo, o de sempre dizer que sua situação financeira está apertada, não importando o real estado dela. Tal é disseminado esse costume, que ganha um pouquinho da minha admiração aquela ou aquele que diz "eu tenho dinheiro suficiente", ou até quem diz "eu tenho dinheiro demais". Não por ter dinheiro, mas por ter essa sinceridade que falta em tanta gente.<br /><br />Um amigo, cuja família mora num condomínio dos mais caros e luxuosos (a taxa de condomínio é da ordem de milhares de reais), conta que, numa reunião condominial desse lugar, se alguém reclamar da situação financeira, todos dizem "é verdade, está difícil para mim também". Mesmo os que têm aviões, ou detalhes de ouro maciço na fachada de casa. Mas ao mesmo tempo muitas pessoas estão correndo atrás de ganhar sempre mais, almejam ser cada vez mais ricas, e fazem questão de o demonstrar, com carros desnecessariamente luxuosos, jóias de materiais preciosos, ouro e outras tantas formas de ostentação. Eis o paradoxo.<br /><br />Outro costume que me parece paradoxal é o de taxar as pessoas de "pseudo-intelectuais". Pseudo-intelectual hoje não é quem lê apenas as orelhas dos livros, nem quem se gaba de ouvir Luciana Mello. Não são os que se gabam de ler Paulo Coelho, nem os que acham que qualquer música instrumental é boa, e que o resto não é. Que nada! Hoje basta você assistir a um filme do Ingmar Bergman, ouvir uma música do Chet Baker, ou ler um livro do Nietzsche, que você já é taxado de "pseudo-intelectual". Sem direito a réplica, julgamento, ou sequer um telefonema local.<br /><br />Quando entrei na faculdade, tinha uma amiga que compartilhava dos meus gostos cinematográficos, e que muito me ensinou sobre cinema. Ela era taxada de "pseudo-intelectual", porque preferia assistir "Vertigo" a "American Pie". Quando comecei a me interessar por filosofia, bastava eu entrar num sebo para comprar um livro novo, e lá vinha o "carimbo". Tenho um grande amigo que é taxado de "pseudo-intelectual" porque gosta de e conhece muito sobre música clássica. Chegou ao absurdo de eu ser acusado de "pseudo-intelectual" por um amigo pelo fato de ter escrito meu perfil no site de relacionamentos <a href="http://www.orkut.com"><i>Orkut</i></a> em inglês. Vi, numa lista de discussão, uma pessoa ser chamada de "pseudo-intelectual" por outra porque essa não entendeu a tirinha de jornal que aquela havia enviado. "Pseudo-intelectual" é até mesmo o que fala o português correto, ou sabe o que quer dizer "idiossincrasia".<br /><br />A situação se inverteu a tal ponto que, se hoje você reclamar da qualidade dos textos do Paulo Coelho, das músicas da Luciana Melo, ou dos filmes do Adam Sandler, você já vira "pseudo-intelectual" por padrão. Isso (eis o paradoxo) numa fase da história da humanidade onde jamais foi tão importante ter conhecimento e cultura. O bem mais importante do indivíduo hoje é a informação (por isso chamamos de "Sociedade da Informação"), mas tentar obtê-la fora do <i>mainstream</i> é razão suficiente para ser taxado com um adjetivo depreciativo.<br /><br />Não ouso tentar explicar o porquê desses paradoxos. Não sei se é estupidez humana, se passam desapercebidos pelo "labirinto dos pensamentos poluídos pela falta de amor", ou se há alguma razão real prá essa desestabilidade. Vai ver eu é que fiquei ultrapassado, e que o amor hoje em dia seja mesmo as rimas pobres dos pseudo-pagodes, o exemplo a ser seguido é o de um mago que fala português errado (vide o artigo <a href="http://resmadealfarrabios.blogspot.com/2004/10/preconceituoso-lingstico-esclarecido.html">Preconceituoso Lingüístico Esclarecido</a> antes de criticar a expressão ao lado) buscando ter mais uma mulher, e a sabedoria esteja mesmo em se masturbar com uma torta de maçã.Fernando Aireshttp://www.blogger.com/profile/02490909278434101660noreply@blogger.com11tag:blogger.com,1999:blog-8840353.post-1135179251780861112005-12-21T13:15:00.000-02:002005-12-21T13:43:13.116-02:00Carta ao Papai NoelQuerido Papai Noel,<br /><br />É verdade que não fomos bons meninos esse ano. Aliás, não somos bons meninos há muito tempo. Desregulamos a natureza. Estamos derretendo as calotas polares, e ainda assim não estamos pensando em parar com a emissão de dióxido de carbono. Os índices de poluição são cada vez maiores, e ainda assim não deixamos de jogar lixo nas ruas, ou de não filtrar os poluentes das fábricas. Desperdiçamos energia nas refinarias, explodindo gás que poderia ser utilizado para pesquisas, aquecimento, ou combustível. Produzimos alimentos para alimentar quase o dobro da população mundial, e ainda assim quase a metade dela passa fome. Eis o que somos.<br /><br />Não somos bons meninos sequer com os que são próximos a nós. Nossas relações sociais são tão deturpadas, que hoje muitos preferem o contato virtual ao mundo físico. Não conhecemos mais nossos vizinhos, não nos preocupamos mais com os problemas alheios. Nos encafurnamos em grandes cidades, onde paradoxalmente vivemos solitários em meio a centenas de milhares de pessoas. Damos mais valor ao dinheiro que ao uso dele, e nos matamos pouco a pouco no estresse do dia-a-dia apenas para conseguirmos mais do mesmo. Mesquinhos, mesquinhos...<br /><br />Mas, ainda assim, quero fazer a minha lista de presentes. Não estou pior que a média, então talvez você possa cumpri-la prá mim - com o mundo assim, seus duendes não devem ter lá tanto trabalho. Ela é longa e difícil de obter, mas não quero perder a esperança de consegui-la.<br /><br />Primeiro, quero sorrisos. Não daqueles amarelos, nem daqueles interesseiros. Desses, temos aos montes por aqui. Quero sorrisos sinceros, daqueles que carregam a esperança de dias melhores e a força que só o amor consegue ter. Para isso, contudo, é preciso coragem. Não a valentia, porque essa muitas vezes mais atrapalha que ajuda. Quero também, então, a coragem de quebrar as barreiras, de não precisar da vingança, e de poder amar mesmo a quem me faz mal.<br /><br />Além disso, quero a concórdia. Não a obediência cega, nem a subserviência - os seres humanos são iguais, e eles deveriam se lembrar disso mais vezes. Mas quero sim a tolerância, não aquela que se finca nas nossas tortas verdades, e recebe ao outro como ser inferior, mas aquela que respeita a verdade do outro como tão certa ou tão errada como a sua, e, sem se deixar levar por ela, aceita a hipótese de estarmos errados.<br /><br />Por fim, quero paz. Não aquela paz de atrás do muro, onde o resto do mundo passa, e a gente não percebe. Quero a paz verdadeira, aquela que vem da justiça e da esperança, daquela que inquieta, e que nos faz sentirmos verdadeiramente livres. Essa talvez seja a mais fácil e a mais difícil de todas. Difícil porque envolve mudança individual, irrestrita, e radical. Fácil porque muita gente há muito tempo vem falando dela. Em particular, o aniversariante, que disse "E o meu mandamento é esse: que vocês se amem uns aos outros assim como eu amei vocês". E bastava as pessoas terem ouvido, que daí seríamos bons meninos, e ainda assim eu não precisaria te pedir nada...Fernando Aireshttp://www.blogger.com/profile/02490909278434101660noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8840353.post-1129563993614978802005-10-17T19:39:00.000-02:002005-10-17T19:47:54.800-02:00Referendados sobre o quê?Em primeiro lugar, gostaria de esclarecer os motivos principais pelos quais estou escrevendo sobre o referendo sobre o Desarmamento. E há vários motivos para tal. O primeiro deles se refere às poucas pessoas que são leitoras fiéis destes alfarrábios, e que sempre que me encontram reclamam que <a href="http://resmadealfarrabios.blogspot.com/2004/11/marla-e-circunciso.html">Marla e a Circuncisão</a> ainda é o artigo "atual" (a vocês, aliás, todo o meu Amor). O segundo é que faz tempo que não escrevo. Venho pensando em prestar Vestibular novamente ano que vem, e preciso rever meus métodos de redação por conta disso. E nada melhor prá (re)aprender a escrever que escrever.<br /><br />Mas o principal motivo é que o referendo sobre o desarmamento está aí prá ser votado (será no próximo domingo, 23/Out), e ninguém sabe direito ainda sobre o que ele se trata. A mídia (seja grande, seja pequena) tem levado a discussão para o lado emotivo, e poucas vezes traz argumentos mais sérios do que "fulana morreu por ter arma em casa" / "fulano viveu por ter arma em casa". E vai ganhar quem fizer o <i>marketing</i> mais bonito. A melhor aproximação de uma análise séria que eu vi foi a d'O Estado de São Paulo, que em 15/Out p.p. publicou um caderno sobre o referendo de 20 páginas, das quais apenas pouco mais que a metade apelavam para casos pessoais. Mas só. O resultado disso é que as pessoas discutem entre si sem terem lido o estatuto (que não está facilmente disponível), e chegam a conclusões sobre assuntos que não estão postos nesta votação.<br /><br />O referendo não opina sobre o desarmamento. Ele opina sobre a proibição de venda de armas de fogo em território nacional. Mais especificamente, o artigo 35 do chamado "Estatuto do Desarmamento", que diz que <i>"É proibida a comercialização de arma de fogo e munição em todo o território nacional, salvo para as entidades previstas no art. 6o desta Lei."</i>. Mas quem são as entidades previstas no artigo sexto? Eis o que ele diz:<br /><br /><i>"É proibido o porte de arma de fogo em todo o território nacional, salvo para os casos previstos em legislação própria e para:<br />I - os integrantes das Forças Armadas;<br />II - os integrantes de órgãos referidos nos incisos do caput do art. 144 da Constituição Federal;<br />III - os integrantes das guardas municipais das capitais dos Estados e dos Municípios com mais de 500.000 (quinhentos mil) habitantes, nas condições estabelecidas no regulamento desta Lei;<br />IV - os integrantes das guardas municipais dos Municípios com mais de 250.000 (duzentos e cinqüenta mil) e menos de 500.000 (quinhentos mil) habitantes, quando em serviço; (Vide Mpv nº 157, de 23.12.2003)<br />V - os agentes operacionais da Agência Brasileira de Inteligência e os agentes do Departamento de<br />Segurança do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República;<br />VI - os integrantes dos órgãos policiais referidos no art. 51, IV, e no art. 52, XIII, da Constituição Federal;<br />VII - os integrantes do quadro efetivo dos agentes e guardas prisionais, os integrantes das escoltas de presos e as guardas portuárias;<br />VIII - as empresas de segurança privada e de transporte de valores constituídas, nos termos desta Lei;<br />IX - para os integrantes das entidades de desporto legalmente constituídas, cujas atividades esportivas demandem o uso de armas de fogo, na forma do regulamento desta Lei, observando-se, no que couber, a legislação ambiental."</i><br /><br />Com o adendo do parágrafo quinto do mesmo artigo, que diz que:<br /><br /><i>"Aos residentes em áreas rurais, que comprovem depender do emprego de arma de fogo para prover sua subsistência alimentar familiar, será autorizado, na forma prevista no regulamento desta Lei, o porte de arma de fogo na categoria 'caçador'."</i><br /><br />Repare que o artigo sexto não está em discussão no referendo.<br /><br />E quem já tem arma, e direito a porte (que é diferente de licença)? O estatuto rege sobre isso também, no artigo 29, que também não está em discussão.<br /><br /><i>"As autorizações de porte de armas de fogo já concedidas expirar-se-ão 90 (noventa) dias após a publicação desta Lei.<br />Parágrafo único. O detentor de autorização com prazo de validade superior a 90 (noventa) dias poderá renová-la, perante a Polícia Federal, nas condições dos arts. 4o, 6o e 10 desta Lei, no prazo de 90 (noventa) dias após sua publicação, sem ônus para o requerente."</i><br /><br />E quem tem licença (direito de ter a arma em casa, mas não de andar com ela)? O estatuto, no seu artigo 31, também rege sobre isso. E também não está em discussão.<br /><br /><i>"Art. 31. Os possuidores e proprietários de armas de fogo adquiridas regularmente poderão, a qualquer tempo, entregá-las à Polícia Federal, mediante recibo e indenização, nos termos do regulamento desta Lei </i>[que rege sobre os valores a serem ressarcidos]<i>."</i><br /><br />Dito isso, os argumentos dos grupos políticos contrários e favoráveis todos são falhos. Uma rápida passada nas páginas dos grupos de defesa do <a href="http://www.referendosim.com.br">sim</a> e do <a href="http://www.votonao.com.br">não</a>, lendo apenas os argumentos principais, pode constatar isso facilmente. Façamos o exercício:<br /><br /><b><a href="http://www.referendosim.com.br/publique/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=2&sid=3">Argumentos para o sim</a>:</b><br /><ul><br /><li> <i>Existem armas demais neste país.</i><br /><br />Esse argumento não fala sobre o referendo. Fala sobre o desarmamento, que não está em discussão. Pode até ser verdade, mas não é sobre isso que o referendo trata. O artigo 35 não quer tirar armas do país. Quer deixar de vender.<br /><br /><li> <i>Armas foram feitas para matar.</i><br /><br />Pode-se usar como base para outros argumentos. Mas, por si só, não é argumento para nada. Óleo quente foi feito para matar, e ninguém pensa em proibir o óleo quente.<br /><br /><li> <i>Ter armas em casa aumenta o risco, não a proteção.</i><br /><br />Isso é relativo, e apela prô pessoal. Crianças morreram com armas mal escondidas em casa, mas famílias foram salvas com um tiro prá cima.<br /><br /><li> <i>A presença de uma arma pode transformar qualquer cidadão em criminoso.</i><br /><br />Todo cidadão é um criminoso em potencial, por essa análise. Se for verdade, ter ou não ter uma arma é então pouco relevante. <br /><br /><li> <i>Quando existe uma arma dentro de casa, a mulher corre muito mais risco de levar um tiro do que o ladrão.</i><br /><br />Relativo de novo. E se o ladrão for uma ladra, na verdade? Daí a chance dele levar um tiro aumenta? Ironicamente, alguém poderia dizer: "Talvez sejam os seios. Fica mais difícil desviar de um tiro virando de perfil quando você tem seios...". Eu sou um dos maiores fãs da estatística como ciência, e do seu poder, mas muitas pessoas não sabem fazer e usar estatística. Defender esse ponto de vista é o mesmo que dizer que 98 % dos criminosos comem pão eventualmente, então o pão é uma ameaça à ordem...<br /><br /><li> <i>Em caso de assalto à mão armada, quem reage com arma de fogo corre mais risco de morrer.</i><br /><br />Se o problema é o risco, então ele se resolve com treinamento adequado de quem tiver licença prá ter armas em casa. Não tirando as armas de casa.<br /><br /><li> <i>Controlar as armas legais ajuda na luta contra o crime.</i><br /> <ul><br /> <li> <i>O mercado legal abastece o ilegal.</i><br /><br />Mais ou menos. O mercado ilegal também sabe se abastecer por conta própria. Ninguém tem AK-47 em casa legalmente, e os morros estão cheios deste fuzil.<br /><br /> <li> <i>As armas compradas legalmente correm o risco de cair nas mãos erradas, através de roubo, revenda ou perda.</i><br /><br />Verdade. Mas uma fiscalização adequada (como a que o estatuto propõe - e a campanha do "sim" endossa) resolve isso. Não precisa tirar as armas de circulação para tal.<br /> </ul><br /><li> <i>O Estatuto do Desarmamento é uma lei que desarma o bandido.</i><br /><br />Considerando esse conceito, a meu ver equivocado, de "cidadão ordeiro" <i>versus</i> "bandido", "bandido" é o que não cumpre a lei. Então, esse argumento é falso. O estatuto vai ser cumprido por quem cumpre a lei (isso é redundante até). Falso, portanto.<br /><br /><li> <i>Controlar as armas salva vidas.</i><br /><br />Esse, novamente, não é sequer um argumento. Ele serve de base prá outros argumentos. Dependendo de como você controla, salva ou não salva vidas.<br /><br /><li> <i>Desarmamento é o primeiro passo.</i><br /><br />Concordo, mas não é isso que está sendo votado. Estamos votando a proibição da venda de armas, não o desarmamento. O estatuto do desarmamento vai passar, com ou sem o artigo 35.<br /></ul><br /><b>Agora, os <a href="http://www.votonao.com.br/porque.asp">argumentos para o Não</a>:</b><br /><ul><br /><li> <i>Infelizmente, a proibição da venda legal de armas não vai desarmar os bandidos. Nem vai acabar com a violência e a falta de segurança.</i><br /><br />Verdade, mas não é justificativa prá não fazê-lo. Pode diminuir a violência (lembrando que violência não é apenas um ladrão roubando sua casa - bater no seu filho, por exemplo, é violência), não necessariamente acabar com ela.<br /><br /><li> <i>Estão vendendo a idéia que o referendo é sobre o desarmamento e não sobre a proibição da venda legal de armas. Isso não é verdade.</i><br /><br />Verdade. Mas isso não é justificativa prá votar "não". Isso apenas diz que tem gente no grupo dos que defendem o "sim" que é mal intencionada ou está desinformada. Como no grupo dos que defendem o "não".<br /><br /><li> <i>Proibir a venda legal de armas pode aumentar ainda mais o contrabando de armas e munições e criar mais espaço para a ação dos bandidos.</i><br /><br />Falso. Esse argumento vem do mesmo grupo que diz que são pouquíssimas as armas vendidas legalmente por ano. É completamente diferente do mercado de bebidas alcoólicas, cuja Lei Seca levou ao insurgimento dos <i>gangsters</i>. Não existe mercado prá uma linha de contrabando ferrenha como eles pregam.<br /><br /><li> <i>Estão querendo desarmar o cidadão de bem, proibindo a venda legal de armas. Pois o bandido não compra armas legalmente.</i><br /><br />Ora, e o que define quem é "bandido" e quem é "cidadão de bem"? Se eu comprar uma arma numa loja, quer dizer que eu jamais irei assaltar alguém com ela? Se eu comprar uma arma ilegalmente, quer dizer que eu vou matar todo mundo que aparecer na frente? Essa é uma questão de índole. Quem quer fazer coisa errada a qualquer preço, ainda vai continuar fazendo. Mas não é isso que está em questão.<br /><br /><li> <i>Estão querendo tirar um direito que o cidadão de bem já tem. E que pode ou não usar: o de comprar armas legalmente.</i><br /><br />Há muito tempo atrás, o "cidadão de bem" tinha o direito de matar outras pessoas, e um dia a sociedade se reuniu e decidiu tirar dele esse direito, instituindo como crime matar outras pessoas. Por que é proibitivo, não quer dizer que devemos votar "não".<br /><br /><li> <i>É importante saber que o porte de arma (andar armado) está proibido (desde a aprovação do estatuto do Desarmamento, em 2003) e a posse de arma já está regulamentada. Não é nada simples comprar legalmente uma arma. É preciso apresentar mais de 5 certidões, exame psicotécnico etc.</i><br /><br />Verdade, mas isso não é justificativa prá se votar "não". É difícil roubar os cofres de um banco. Não quer dizer que vamos deixar soltos quem o fizer.<br /></ul><br /><br />Mas o mais importante, e o que mais inquieta e entristece, é que estamos votando um artigo num estatuto, enquanto o país passa por uma série de importantes momentos, da crise política ao crescimento das relações internacionais, e nós "perdemos tempo" discutindo, com desinformação e apelos emotivos, um referendo que, na prática, pouco vai mudar na vida de cada um e cada uma de nós, qualquer que seja o resultado dele. Quando será que nos voltaremos praquilo que é mais importante, e deixaremos as "picuinhas" no lugar que lhes é devido - de lado?<br /><br />Quando será?Fernando Aireshttp://www.blogger.com/profile/02490909278434101660noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8840353.post-1101383995366459272004-11-25T06:16:00.000-02:002004-11-25T10:32:50.736-02:00Marla e a circuncisãoSou de esquerda. Pronto, assumi (hoje em dia - não sei se apenas no meio em que vivo - se posicionar de esquerda causa quase tanto furor quanto assumir-se homossexual no almoço da família tradicional).
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<br />Sendo de esquerda, portanto, costumo ler revistas como <a href="http://cartacapital.terra.com.br/site/index_frame.htm">CartaCapital</a> e <a href="http://carosamigos.terra.com.br/">Caros Amigos</a> (fui também assinante da Bundas até ela deixar de existir). Quem convive comigo sabe disso. Um amigo (ciente do fato, portanto) presenteou-me com uma CartaCapital que ele havia ganhado na UNICAMP (há uma banquinha na saída do Restaurante Universitário que vende edições anteriores da revista a preços irrisórios, e com promoções que te dão outras edições como brinde). Era uma <a href="http://cartacapital.terra.com.br/site/index.php?ID_EDICAO_EXIBICAO=103">edição sobre os 60 anos de Chico Buarque</a>, do qual sou fã, e ele a ganhou ao comprar a <a href="http://cartacapital.terra.com.br/site/index.php?ID_EDICAO_EXIBICAO=124">edição que tratava da vitória do Bush nas eleições estadunidenses</a>. Agradeci (e fiquei grato por) o carinho, mas em verdade fiquei mais curioso em ler a revista sobre Bush que meu presente (no final, ele me deu a outra revista também).
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<br />Mas quando li a revista sobre Bush, surpreendi-me com a notícia sobre uma tal Marla Olmstead, uma nova-iorquina que está ficando famosa pelos seus quadros (que chegam a ser vendidos por US$ 15 mil, e muitos colecionadores dizem que os quadros valem muito mais que isso). Até aí, nada demais, não fosse o fato de esse novo fenômeno da Arte ter apenas 4 anos.
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<br />Não sou especialista em Artes Plásticas - estou muito longe disso, aliás. Mas sou da área da Computação. Apesar de muitos dos meus professores e colegas insistirem em ignorar solenemente (e alguns até em ocultar) esse fato, programar tem um quê de Arte: não pela filocalia, mas pela inspiração necessária. Há dias em que você olha prô terminal, o terminal "olha de volta", e nada sai; há dias em que basta algumas horas e seu programa está tinindo, eficaz, funcional. Então, consigo captar algumas informações, com o olhar de quem ao menos entende o transpirar da inspiração.
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<br />Mas também não ignoro a Arte. E por isso, fiz questão de ir à Bienal de Arte Contemporânea, em São Paulo, e observar atentamente a todas as obras. Exceto uma: a do "artista" que filmou a cirurgia de sua própria circuncisão, e enviou o filme como "obra de arte". Fiz questão de não assistir, em respeito às minhas amigas Artistas Plásticas, mas principalmente àquele artista em começo de carreria, de talento mediano, que fez um esforço sincero para preparar e separar o melhro da sua Obra, enviou à Bienal, e se contentou com um "não foi desta vez" dos amigos mais íntimos. Eu, no lugar deste artista, se soubesse que minha Obra deu lugar a um filme documentando uma circuncisão, talvez mudasse de carreira, talvez pintasse todo meu corpo com falos estilizados e me enforcasse nu em seguida, ou talvez mudasse meu nome para Timothy McVeigh e me mudasse prá Oklahoma. E certamente me sentiria ofendido.
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<br />O que é, então, Arte? Lembro de uma grande amiga, atriz, que falava com pesar sobre uma cena do <a href="http://www.teatrodavertigem.com.br/">Teatro da Vertigem</a>, que envolvia sexo explícito. Minha amiga, inconformada, disse algo como "a Arte não é igual à Vida. Se fosse, bastava sentar-se na calçada, e assistir a Vida". Posso estar sendo conservador demais, mas penso que não é qualquer coisa que podemos chamar de Arte. Um documentário sem sentido, ou rabiscos numa tela de uma criança que está no Jardim da Infância não me parece fazer parte desse seleto grupo (de coisas a que chamamos Arte). Uma menina de 4 anos pode até ter certo talento, mas seus quadros valerem mais que os de um artista adulto competente, que estudou e praticou mais do que Marla viveu sobre a Terra, soa-me como um disparate. Posso estar enganado, e mudar de opinião em breve. Mas minha primeira impressão é essa.Fernando Aireshttp://www.blogger.com/profile/02490909278434101660noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8840353.post-1100929178186636002004-11-20T13:23:00.000-02:002004-11-20T13:23:39.473-02:00Mitos e Pecados da Comunidade de Software Livre: o técnico sobre o éticoEu participo e participei de muitos movimentos na minha vida (que, convenhamos, não é tão longa assim), de grupos dentro da Igreja Católica a rádios livres. Mas, se eu tivesse que escolher dentre qualquer um deles, o que mais me apraz fazer parte é o da comunidade de <a href="http://www.gnu.org/philosophy/free-sw.pt.html"><i>Software</i> Livre</a>. Não só porque o movimento é bonito, importante prá sociedade, e trata de algo muito mais importante do que o <i>software</i>, mas principalmente por fazer parte do período histórico em que o processo está fervilhando. Daqui a uns 20 anos, as pessoas - com seus computadores rodando (quase) exclusivamente <i>Software</i> Livre - vão citar aquele bando de <i>hackers</i> que invadiram todos os setores da sociedade, trazendo a "boa notícia" em <i>LiveCDs</i> e <i>InstallFests</i> e programas de código aberto, respeitando as quatro liberdades fundamentais. E eu vou estar feliz, porque tive a oportunidade (concedida por Deus) de colocar meus tijolos nessa construção. "Bem aventurados os aflitos, porque serão consolados", não é isso afinal?
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<br />Mas hoje ainda estamos trabalhando. Muito. Sendo processados por empresas, brigando contra a nova lei de patentes européia, separando o "joio" do "trigo" entre as empresas de Computação - e fazendo cada vez mais "joios" virarem "trigo", graças a Deus. E, ao menos é o que me parece, temos alguns problemas na condução do processo. E é sobre o mais grave deles (na minha opinião, claro) que eu vou tratar aqui.
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<br />Quando eu conheci <i>Software</i> Livre, em 2001, através do Linux, apresentaram-mo como sendo a solução técnica definitiva para meus problemas com o computador (que todo mundo que conhece o sistema operacional proprietário mais usado atualmente sabe muito bem: telas azuis cancelando processos, fazendo você perder seu trabalho de horas; vírus espalhados pela sua máquina, destruindo seus arquivos em formatos proprietários). Hoje, que sei um pouco mais, consigo ver que o pessoal tinha razão em parte: em verdade, Linux é tecnicamente muito superior ao Windows, não só pela portabilidade (Linux roda do mainframe ao relógio), mas também pela estabilidade, e pela eficácia em tratar os processos do computador (não vou entrar em detalhes, porque este não é um artigo técnico). O problema é que esse apelo funciona prá gente como eu, que é técnica. Agora, prum usuário leigo, que terá problemas pela interface diferente, verá eventualmente algo travar (tecnicamente é diferente: no Linux, o que trava é o processo, não o sistema operacional inteiro. Mas prô leigo é a mesma coisa), e não conseguirá rodar todos os seus programas com a mesma facilidade (no começo) em Linux, o apelo técnico não é tão eficaz.
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<br />O problema disso é que, além de mostrarem o <i>Software</i> Livre prá mim pelo apelo técnico, muita gente divulga o <i>Software</i> Livre pelo mesmo apelo. E <i>Software</i> Livre é mais que isso. Quando falamos em liberdade do conhecimento, estamos falando em democratização do acesso à informação. Informação que é o bem eleito pela sociedade atual (a não à toa chamada "Sociedade da Informação") como o bem valioso. Falar de <i>Software</i> Livre é falar, em última instância, de justiça social, de geração de oportunidades, de construção do Reino de Deus. E para os usuários esse apelo é mais forte. Um exemplo atual é de um amigo, que mora comigo há mais de 3 anos. Físico de formação, nunca prestou atenção em qualquer frase minha que contivesse a expressão "<i>Software</i> Livre". Depois de muito tempo, percebi que não era teimosia dele, mas herança dessa apresentação estritamente técnica do Linux prá ele. Quando, pela primeira vez, ele se dispôs a me ouvir (com uma paciência grande), e ouviu pela primeira vez o argumento filosófico, gostou tanto da coisa que resolveu trabalhar num projeto de <i>Software</i> Livre.
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<br />Então, falar do técnico faz com que a comunidade seja cada vez mais formada exclusivamente por gente técnica. O que é péssimo. O principal responsável por fazer <i>Software</i> Livre ser adotado em todas as instâncias do governo federal é um sociólogo (Sérgio Amadeu), que não sabe programar. Essa interdisciplinaridade é fundamental para uma melhor construção do nosso projeto. E chegarmos no tão sonhado (e tão pregado pelo próprio Sérgio Amadeu) futuro Livre.Fernando Aireshttp://www.blogger.com/profile/02490909278434101660noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8840353.post-1099465691450511782004-11-03T03:46:00.000-02:002004-11-15T04:56:39.383-02:00Sobre Professores e EducaçãoEsse é um assunto que abrange muito mais do que qualquer texto (menor que a Bíblia, ao menos) consiga esgotar, mas nem por isso menos importante de ser tratado. Declaro, de antemão, que não sou formado em Pedagogia, e que meu conhecimento na área começa pela curiosidade e termina em algumas disciplinas de Licenciatura cursadas, uma Iniciação Científica incompleta sobre Impactos das Tecnologias da Informação na Educação, e um projeto de tese de mestrado que não saiu do plano das idéias - nem do meu nem do meu orientador -, o que faz as idéias sobre Pedagogia daqui não necessariamente terem rigor científico. Além disso, não acredito na imprensa imparcial, e, sendo assim, o texto abaixo traz altas doses de minha opinião, e apresenta fundamento em anos de convívio com a UNICAMP. Peço que nada disso seja tratado por arrogância: as críticas aqui mostradas são feitas com Amor e esperança de melhora.
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<br />Esse texto tem um motivo especial. E, prá falar desse motivo especial, antes eu preciso falar dum homem que já me é especial, apesar de tê-lo visto apenas uma vez, no dia que nos conhecemos: José de Ávila Aguiar Coimbra. Tenho o enorme prazer de ter como amiga a filha mais velha desse homem sensacional (o prazer advém principalmente da pessoa maravilhosa que ela é, devo admitir), e essa amizade me propiciou o convite para realizarmos um passeio pelo centro de São Paulo, com o Dr. Ávila contando a história da cidade enquanto passávamos por pontos importantes da mesma. E, ao final do edificante passeio, com companhias agradabilíssimas, inclusive de pessoas queridas, o Dr. Ávila solicitou a todos que escrevessem um texto sobre as impressões do passeio. Acredito que possa eu fazê-lo na forma de artigo, mesmo com atraso.
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<br />O passeio foi maravilhoso, e o foi por vários motivos. Estou fora de São Paulo já há quatro anos, mas lá ainda é a cidade em que eu nasci, cresci, e formei as bases que (seja isso bom ou ruim) em boa parte foram responsáveis por eu resultar no homem que sou hoje. Então, estudar a história dessa cidade é, de uma certa forma, voltar às minhas raízes. O passeio por São Paulo é em verdade um passeio pelo passado, pela Educação e pela memória de nós mesmos, paulistanos. São 450 anos de história, que carraram a cidade como ela é hoje, e que não cabem completos em um dia de passeio. Então, eu poderia citar pontos que deixamos de visitar e que eu gostaria de conhecer mais a história, mas a verdade é que os pontos que se visita durante um dia jamais cobrirão tudo o que se pode falar a respeito de São Paulo. Eles poderiam ser todos diferentes (essa hipótese, inclusive, atrai bastante a mim: fazermos um passeio por outros pontos da cidade), gerando um dia completamente diferente, no qual passaríamos em verdade falando da mesma coisa: a história da cidade de São Paulo.
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<br />Mas eu não falei do motivo principal do passeio ter sido maravilhoso (e a responsabilidade desse motivo é inteiramente do Dr. Ávila): eu passei o dia tendo uma aula maravilhosa. O Dr. Ávila é um professor estupendo (talvez seja por isso que ele tenha me encantado tanto: dê uma boa aula, e suba vertiginosamente no meu conceito). E, ah!, como eu tenho saudades de boas aulas... Estudo há quatro anos naquela que é considerada uma das melhores Universidades da América Latina, e nela é quase um milagre conseguir assistir uma aula onde a professora ou o professor está ao menos tentando aplicar uma boa aula. Temos docentes contratados pela sua qualidade de pesquisa, cuja preocupação é apenas a pesquisa, e que algumas vezes não sabem sequer falar em público. E, o que é pior, não se importam em tentar aprender. Quando deparamos a primeira vez com o problema, parece um caso isolado, mas não é. Um exemplo: no Instituto de Computação, onde estudo, o quadro docente é pequeno. Isso resulta em disciplinas em que sua escolha ao se matricular é entre o péssimo e o pior ainda. Não tem boa opção. E não vai ter nos semestres subseqüentes, simplesmente porque não há perspectivas de aparecer um bom professor disposto a dar aquela disciplina.
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<br />Sinto-me obrigado a apresentar aqui ao menos uma exceção a esta regra. E, se for prá falar de um bom professor do Instituto de Computação, seria injustiça não lembrar do <a href="http://www.ic.unicamp.br/~sindo">Prof. Sindo Vasquez Dias</a>. Poderia citar alguns outros (não muitos, senão eu teria que mentir) bons professores do IC, mas o Sindo foi o que mais me marcou: pela qualidade das aulas, pela dedicação em prepará-las (mesmo trabalhando o dia inteiro, e dando aula apenas à noite - e ganhando uma miséria por isso), e pelo carinho em aplicá-las.
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<br />Eu não sei se existe uma forma de resolver o problema. Sei que é grave demais para que a sociedade acadêmica continuemos alheios a ele. Acho que a UNICAMP repovoada apenas por bons professores é uma utopia. Mas existem formas de melhorar a situação atual. Por esses dias soube que uma das etapas do concurso de contratação de docentes consiste em uma aula para uma banca de cinco pessoas, que não interagem ou participam da aula. Talvez se deixassem os candidatos finalistas um semestre ministrando uma disciplina, a avaliação das pessoas que cursaram-na fosse uma melhor forma de avaliação. Mas, nesse caso, envolveria a participação dos discentes - e não sei até aonde o ego desses doutores que não sabem dar aula permitiria isso.Fernando Aireshttp://www.blogger.com/profile/02490909278434101660noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8840353.post-1099040746018548262004-10-29T05:23:00.000-03:002004-10-29T06:11:57.360-03:00Mudanças: necessárias, sempre necessáriasNão consegui encontrar a citação exata, nem falo grego para procurar no original, mas Heráclito de Tarso, filósofo grego, disse uma vez algo como "o mesmo homem não se banha duas vezes no mesmo rio". Nunca é o mesmo homem, como nunca é o mesmo rio. Bonito. Prenhe de significado.
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<br />Quando eu entrei na Universidade, entraram outras 89 pessoas para fazer o mesmo curso que eu. Tenho o privilégio e o prazer de manter contato até hoje com a esmagadora maioria delas, em maior ou menor grau. Depois de quase 4 anos, esses e essas Jovens, que passaram por experiências fortes (entrar numa Universidade, deixar de viver sob a tutela e a proteção dos pais, morar com pessoas com uma cultura muito diferente da sua, <i>et cetera</i>), invariavelmente mudaram. Por serem Jovens, e por passarem por experiências fortes.
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<br />O Ser Humano é como a Terra, que por sua vez é como um prato de polenta. Quando a polenta sai do forno para o prato (o que poderíamos chamar o "nascimento" da polenta - e o cozimento seria, portanto, sua "gestação"), ela inicialmente é uma massa mole e quente. Com o passar do tempo, ela resfria, e aos poucos vai endurecendo, até se tornar uma massa sólida. A Terra era inicialmente uma esfera de magma incandescente, que aos poucos foi resfriando, solidificando, até se tornar como é hoje - uma casca sólida, com uma proporcionalmente pequena esfera de magma concêntrica em seu interior. Tente, pois, moldar uma esfera (com luvas de amianto, para não machucar as mãos) com polenta recém-preparada e com polenta já resfriada, e você perceberá quão mais fácil é modificar a polenta "mais Jovem". Com o Ser Humano funciona da mesma forma. Claro que a idade não é o único fator determinante, e que, da mesma forma que uma polenta deixada na geladeira resfria mais rapidamente que uma deixada no forno ligado, as experiências externas aceleram ou retardam esse processo, mas a pessoa Jovem está, de maneira geral, mais suscetível a essas mudanças.
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<br />(Note que isso não faz impossível a uma pessoa idosa a transformação, como ainda podemos moldar polenta fria, e as placas tectônicas ainda se mexem, gerando terremotos...)
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<br />O Ser Humano também é como uma placa de ferro. Esbofeteie-a com uma luva de pelica, e você perceberá que não houve mudança sensível na sua estrutura. Um tiro de pistola, por sua vez, causa um buraco profundo na placa, chegando até mesmo - dependendo da espessura da placa e das especificações da pistola - a atravessar a placa inteira. Assim somos nós: as experiências mais fortes mais facilmente geram transformação.
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<br />Mas que bonito é ver as mudanças nas pessoas. Hoje vi uma menina que não via há muito, e - nossa! - como ela mudou. Era aniversário dum amigo em comum, e fomos num lugar onde só vendia <i>chopp</i> - sucos, água com gás, prá minha frustração, não havia. E vendo a menina tão diferente, - ela, que não se prendia a homem nenhum, hoje quase casada -, percebi como eu estou diferente também. Em 2001, um lugar com <i>chopp</i> barato e de boa qualidade não precisaria nem ter uma atendente atenciosa como lá havia, e a <a href="http://www.semana3.com.br/materia.php?id_mat=85&id=8">Cervejaria Universitária</a> seria a <i>Valhalla</i> do beberrão que eu era. Hoje, eu me alimento cada vez melhor - prefiro um suco de limão batido com a casca e sem açúcar, tomando um <i>chopp</i> levíssimo à contragosto -, estou mais moderado em meus ideais, mais introspectivo e com uma ligação com o Divino mais forte. E me lembrei de tantos outros conhecidos e conhecidas, alguns amigos e amigas, e como todos eles mudaram. Cresceram. Evoluíram, sempre positivamente (ainda que, em alguns casos, o positivo não seja notável à primeira vista, e faz-se necessário um certo esforço para notar as melhoras). E como prá todos nós falta muito, o que não torna menos belas as mudanças que já ocorreram.
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<br />Lembro-me de Leonardo Boff falando d'"o Ser Humano como um projeto infinito", em seu livro chamado <a href="ttp://www.livrariacultura.com.br/scripts/cultura/resenha/resenha.asp?nitem=510967&sid=15819316261029212606299781&k5=2B2154EF&uid=">"Tempo de Transcendência"</a>, e da dádiva maravilhosa que é estarmos sempre na busca do <i>mágis</i>, incessantes, como Adão e Eva que, tendo um Jardim cheio de maravilhas, necessitam e se arriscam a conseguir a única coisa que lhes falta, e por isso lhes é dado o direito de vir à Terra, onde haveria muito mais a transcender e a alcançar. Essa é a herança que nos foi dada. Esse é nosso presente, nosso talento e nossa missão.Fernando Aireshttp://www.blogger.com/profile/02490909278434101660noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8840353.post-1098784556775601482004-10-26T05:25:00.000-03:002006-07-10T04:31:39.323-03:00Preconceituoso Lingüístico EsclarecidoNão adianta: o idioma é uma forma limitada de comunicação. Quem costuma usar <i>e-mail</i> para discutir, ou pelo menos se comunicar com freqüência (o que, ainda que a contragosto, é meu caso), já invariavelmente deparou-se com situações onde falou uma coisa, o outro lado entendeu outra, e um dissabor se gerou desse mal entendido. Porque, quando nos comunicamos, usamos mais que as palavras prá nos fazermos entender. Usamos entonação de voz, expressão facial, gesticulações, e o olhar, que transmite sentimentos bonitos, mostra a alma e recebe Amor.<br /><br />Mas há situações em que não há outra forma de comunicação possível que não a escrita. Eu trabalho com pessoas dos Estados Unidos, do Canadá, da Alemanha, da Índia, e a melhor forma de me comunicar com elas é através de <i>IRC (Internet Relay Chat)</i>. Mesmo alguns de meus amigos antigos de São Paulo falam comigo freqüentemente por um sistema de <i>Instant Messaging</i> chamado <i>ICQ</i>. Eu não teria condições financeiras prá falar com todos eles por telefone, nem posso voltar à São Paulo (tampouco ir a Austin, Fishcue, Bombaim ou Montreal) com freqüência. Mesmo os excluídos digitais invariavelmente recaem sobre esse problema: aquela família no Sertão Nordestino não vai poder receber notícias do seu filho que está no Sudeste tentando conseguir melhores condições de vida que não por carta - não há telefone, não há condições de ver o filho pessoalmente. Nessas situações, vemos a importância de a língua ser instrumento que permita fácil e clara absorção do conteúdo que o interlocutor planejou passar para o ouvinte, já que na forma escrita nos comunicamos apenas por ela.<br /><br />Ora, estamos então falando sobre padrões. Padrões, em Computação, são conjuntos de regras criados, que todos devem seguir (um exemplo que deveria ser mais amplamente divulgado - até prá não falarem, por exemplo, dos problemas encontrados em navegadores que não o <i>Internet Explorer</i> sem perceber que o problema é o <i>Internet Explorer</i> não seguir os padrões -, é o do <a href="http://www.w3x.org/">World Wide Web Consortium</a>: acesse se você desenvolve páginas, e olhe com carinho), para que todos possam entender o que você quis dizer quando programou um código, diagramou uma página, ou documentou algo. Mas no caso da Computação é mais fácil, porque trabalhamos com ferramentas mais limitadas. A língua é naturalmente dinâmica, muito mais abrangente (abrange inclusive toda a Computação), e com um público usuário muito maior e mais heterogêneo. O que não quer dizer que os padrões não sejam importantes - aliás, pelo contrário.<br /><br />Em 2002 uma amiga me chamou de preconceituoso lingüístico, e foi a primeira vez que eu ouvi essa expressão. Por um desses enganos que a limitação de idioma faz, eu entendi que ela, estudante de Letras, estava escrevendo um livro sobre como falar e escrever corretamente, e procurava minha ajuda - eu fazia parte de um grupo informal na faculdade que corrigia erros crassos de português em textos com muito bom-humor. Quando fui falar com ela, fui rotulado como esse nome grande, e na mesma semana ela me deu um livro sobre o tema. Li com carinho - acredito que só através da tese e da antítese conseguimos senso crítico -, mas não concordei com quase nada do que estava escrito lá. Não acho nenhum problema alguém que não teve acesso a uma educação formal falar Português da maneira como consegue (influenciado pelo meio, ou até pela sua criatividade, como único instrumento que restou), mas acho que esse fato não legitima o Português que essa pessoa fala como "correto", tampouco que a partir daí possa aceitar-se que qualquer um possa falar como bem entender, sem se preocupar com forma, construção, e até mesmo corretude das declinações - ou seja, sem se preocupar com padrões. No mesmo ano, conversava com uma conhecida, estudante de Lingüística, e ela chegou à conclusão que, mesmo se evoluíssemos o idioma até um dialeto que só nós dois entendêssemos, ainda assim poderíamos chamá-lo de Português. Babilônia!<br /><br />(Penso no assunto desde aquela época, e ele voltou à tona hoje, quando um amigo me repassou uma crítica justamente ao livro que tenho sobre o assunto. Não quero fazer propaganda, nem do livro nem da crítica, porque os dois me desagradam. A crítica é muito longa, trata cada parte do livro, mas com um extremismo desnecessário, que chega ao ponto da argumentação burra, sem conclusões - num dado ponto do texto, por exemplo, o crítico entitula o autor do texto como "de esquerda", de forma depreciativa e sem explicitar nenhum motivo: nem por que o autor é de esquerda, nem por que é ruim ser de esquerda. Daí, achei que deveria escrever algo mais moderado. E hoje me chamei de "Preconceituoso Lingüístico Esclarecido", em tom de brincadeira, quando bronqueei com uma pessoa que escreveu dois <i>e-mails</i> ininteligíveis para uma lista de discussão: sem pontuação, quase sem palavras ortograficamente corretas, e sobre um assunto importante.)<br /><br />Então, tenho medo quando falam de preconceito lingüístico. Medo de cada vez mais eu conseguir me comunicar com cada vez menos pessoas. Medo de não me fazer entender quando precisar, simplesmente porque o ouvinte faz parte de um gueto diferente do meu. Respeito muito a iniciativa bem intencionada de não excluir o português coloquial, taxando-o de "errado", como se fosse um pecado. Aliás, foi Oswald de Andrade quem trovou uma vez:<br /><br /><blockquote>"Dê-me um cigarro"<br />Diz a gramática<br />Do professor e do aluno<br />E do mulato sabido<br /><br />Mas o bom negro e o bom branco<br />Da Nação Brasileira<br />Dizem todos os dias<br />"Deixa disso, camarada<br />Me dá um cigarro"</blockquote><br /><br />E eu aplaudo. Mas não façamos, por conta disso, caminhos para uma Babel futura. Comunicação é essencial, sobretudo na Sociedade da Informação, e não podemos deixá-la se perder num descuido.Fernando Aireshttp://www.blogger.com/profile/02490909278434101660noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8840353.post-1098495824841309252004-10-22T21:51:00.000-03:002004-10-22T23:08:56.996-03:00Uma Tese Sobre BlogsPor irônico que possa parecer, a verdade é que sou avesso à <i>blogs</i>. Nada contra o mecanismo, que me parece muito eficaz, mas tenho problemas com o uso que se faz dele.
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<br />Eu acho importante se comunicar. Se expressar. Como um defensor da <a href="http://creativecommons.org">cultura livre</a>, acho ótimo que as pessoas, das mais Jovens às mais idosas, possam dizer o que pensam, proclamar o que acreditam, e divulgar essas informações. Mais que isso, acredito que a difusão da informação é fator crucial no rumo à uma sociedade mais irmã.
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<br />Mas me incomoda a forma como as pessoas usam <i>blogs</i>. Talvez por eu ter o privilégio de estar cercado de gente que me estima, essa situação diminuiu um pouco. Mas eu continuo achando que há uma falha gravíssima no processo educacional quando alguém com idade para eleger o presidente da nação insiste para que você leia o que ele ou ela "postou", e se ofende quando você, prenhe de razão, diz que tem mais o que fazer.
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<br />Mas o mecanismo é ótimo inclusive para escrever artigos. Que é o que eu vou fazer aqui. Portanto, sinta-se benvinda, sinta-se benvindo, ao Resma de Alfarrábios.Fernando Aireshttp://www.blogger.com/profile/02490909278434101660noreply@blogger.com0