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Resma de Alfarrábios

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sábado, 20 de novembro de 2004

Mitos e Pecados da Comunidade de Software Livre: o técnico sobre o ético

Eu participo e participei de muitos movimentos na minha vida (que, convenhamos, não é tão longa assim), de grupos dentro da Igreja Católica a rádios livres. Mas, se eu tivesse que escolher dentre qualquer um deles, o que mais me apraz fazer parte é o da comunidade de Software Livre. Não só porque o movimento é bonito, importante prá sociedade, e trata de algo muito mais importante do que o software, mas principalmente por fazer parte do período histórico em que o processo está fervilhando. Daqui a uns 20 anos, as pessoas - com seus computadores rodando (quase) exclusivamente Software Livre - vão citar aquele bando de hackers que invadiram todos os setores da sociedade, trazendo a "boa notícia" em LiveCDs e InstallFests e programas de código aberto, respeitando as quatro liberdades fundamentais. E eu vou estar feliz, porque tive a oportunidade (concedida por Deus) de colocar meus tijolos nessa construção. "Bem aventurados os aflitos, porque serão consolados", não é isso afinal?

Mas hoje ainda estamos trabalhando. Muito. Sendo processados por empresas, brigando contra a nova lei de patentes européia, separando o "joio" do "trigo" entre as empresas de Computação - e fazendo cada vez mais "joios" virarem "trigo", graças a Deus. E, ao menos é o que me parece, temos alguns problemas na condução do processo. E é sobre o mais grave deles (na minha opinião, claro) que eu vou tratar aqui.

Quando eu conheci Software Livre, em 2001, através do Linux, apresentaram-mo como sendo a solução técnica definitiva para meus problemas com o computador (que todo mundo que conhece o sistema operacional proprietário mais usado atualmente sabe muito bem: telas azuis cancelando processos, fazendo você perder seu trabalho de horas; vírus espalhados pela sua máquina, destruindo seus arquivos em formatos proprietários). Hoje, que sei um pouco mais, consigo ver que o pessoal tinha razão em parte: em verdade, Linux é tecnicamente muito superior ao Windows, não só pela portabilidade (Linux roda do mainframe ao relógio), mas também pela estabilidade, e pela eficácia em tratar os processos do computador (não vou entrar em detalhes, porque este não é um artigo técnico). O problema é que esse apelo funciona prá gente como eu, que é técnica. Agora, prum usuário leigo, que terá problemas pela interface diferente, verá eventualmente algo travar (tecnicamente é diferente: no Linux, o que trava é o processo, não o sistema operacional inteiro. Mas prô leigo é a mesma coisa), e não conseguirá rodar todos os seus programas com a mesma facilidade (no começo) em Linux, o apelo técnico não é tão eficaz.

O problema disso é que, além de mostrarem o Software Livre prá mim pelo apelo técnico, muita gente divulga o Software Livre pelo mesmo apelo. E Software Livre é mais que isso. Quando falamos em liberdade do conhecimento, estamos falando em democratização do acesso à informação. Informação que é o bem eleito pela sociedade atual (a não à toa chamada "Sociedade da Informação") como o bem valioso. Falar de Software Livre é falar, em última instância, de justiça social, de geração de oportunidades, de construção do Reino de Deus. E para os usuários esse apelo é mais forte. Um exemplo atual é de um amigo, que mora comigo há mais de 3 anos. Físico de formação, nunca prestou atenção em qualquer frase minha que contivesse a expressão "Software Livre". Depois de muito tempo, percebi que não era teimosia dele, mas herança dessa apresentação estritamente técnica do Linux prá ele. Quando, pela primeira vez, ele se dispôs a me ouvir (com uma paciência grande), e ouviu pela primeira vez o argumento filosófico, gostou tanto da coisa que resolveu trabalhar num projeto de Software Livre.

Então, falar do técnico faz com que a comunidade seja cada vez mais formada exclusivamente por gente técnica. O que é péssimo. O principal responsável por fazer Software Livre ser adotado em todas as instâncias do governo federal é um sociólogo (Sérgio Amadeu), que não sabe programar. Essa interdisciplinaridade é fundamental para uma melhor construção do nosso projeto. E chegarmos no tão sonhado (e tão pregado pelo próprio Sérgio Amadeu) futuro Livre.