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Resma de Alfarrábios

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quinta-feira, 25 de novembro de 2004

Marla e a circuncisão

Sou de esquerda. Pronto, assumi (hoje em dia - não sei se apenas no meio em que vivo - se posicionar de esquerda causa quase tanto furor quanto assumir-se homossexual no almoço da família tradicional).

Sendo de esquerda, portanto, costumo ler revistas como CartaCapital e Caros Amigos (fui também assinante da Bundas até ela deixar de existir). Quem convive comigo sabe disso. Um amigo (ciente do fato, portanto) presenteou-me com uma CartaCapital que ele havia ganhado na UNICAMP (há uma banquinha na saída do Restaurante Universitário que vende edições anteriores da revista a preços irrisórios, e com promoções que te dão outras edições como brinde). Era uma edição sobre os 60 anos de Chico Buarque, do qual sou fã, e ele a ganhou ao comprar a edição que tratava da vitória do Bush nas eleições estadunidenses. Agradeci (e fiquei grato por) o carinho, mas em verdade fiquei mais curioso em ler a revista sobre Bush que meu presente (no final, ele me deu a outra revista também).

Mas quando li a revista sobre Bush, surpreendi-me com a notícia sobre uma tal Marla Olmstead, uma nova-iorquina que está ficando famosa pelos seus quadros (que chegam a ser vendidos por US$ 15 mil, e muitos colecionadores dizem que os quadros valem muito mais que isso). Até aí, nada demais, não fosse o fato de esse novo fenômeno da Arte ter apenas 4 anos.

Não sou especialista em Artes Plásticas - estou muito longe disso, aliás. Mas sou da área da Computação. Apesar de muitos dos meus professores e colegas insistirem em ignorar solenemente (e alguns até em ocultar) esse fato, programar tem um quê de Arte: não pela filocalia, mas pela inspiração necessária. Há dias em que você olha prô terminal, o terminal "olha de volta", e nada sai; há dias em que basta algumas horas e seu programa está tinindo, eficaz, funcional. Então, consigo captar algumas informações, com o olhar de quem ao menos entende o transpirar da inspiração.

Mas também não ignoro a Arte. E por isso, fiz questão de ir à Bienal de Arte Contemporânea, em São Paulo, e observar atentamente a todas as obras. Exceto uma: a do "artista" que filmou a cirurgia de sua própria circuncisão, e enviou o filme como "obra de arte". Fiz questão de não assistir, em respeito às minhas amigas Artistas Plásticas, mas principalmente àquele artista em começo de carreria, de talento mediano, que fez um esforço sincero para preparar e separar o melhro da sua Obra, enviou à Bienal, e se contentou com um "não foi desta vez" dos amigos mais íntimos. Eu, no lugar deste artista, se soubesse que minha Obra deu lugar a um filme documentando uma circuncisão, talvez mudasse de carreira, talvez pintasse todo meu corpo com falos estilizados e me enforcasse nu em seguida, ou talvez mudasse meu nome para Timothy McVeigh e me mudasse prá Oklahoma. E certamente me sentiria ofendido.

O que é, então, Arte? Lembro de uma grande amiga, atriz, que falava com pesar sobre uma cena do Teatro da Vertigem, que envolvia sexo explícito. Minha amiga, inconformada, disse algo como "a Arte não é igual à Vida. Se fosse, bastava sentar-se na calçada, e assistir a Vida". Posso estar sendo conservador demais, mas penso que não é qualquer coisa que podemos chamar de Arte. Um documentário sem sentido, ou rabiscos numa tela de uma criança que está no Jardim da Infância não me parece fazer parte desse seleto grupo (de coisas a que chamamos Arte). Uma menina de 4 anos pode até ter certo talento, mas seus quadros valerem mais que os de um artista adulto competente, que estudou e praticou mais do que Marla viveu sobre a Terra, soa-me como um disparate. Posso estar enganado, e mudar de opinião em breve. Mas minha primeira impressão é essa.