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Resma de Alfarrábios

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domingo, 9 de julho de 2006

Copa do Mundo e nossa cultura (ou "recusa a fazer mais um trocadilho infame com a frase 'A taça do mundo é nossa', por protesto")

Há de se falar sobre Copa do Mundo. Afinal, esta que acabou há algumas horas, inevitavelmente fez parte da vida de cada brasileira e de cada brasileiro nesse último mês. Como uma gripe, que invade nossos sistemas imunológicos dando às favas à nossa autorização para tal, a Copa é assunto obrigatório em todos os círculos sociais. Até eu, rabugento como sou, fiz minha parte. Dei palpites, torci pela Croácia, emocionei-me com a tradução do hino da República Tcheca (que não derrama uma gota de sangue, por estranho que possa parecer), e no melhor estilo fair play, fiz questão de comer hoje uma bruschetta italiana e um croissant francês com minha namorada, num lugar chamado "Padaria Alemã".

Mas algumas coisas chamaram-me à atenção nesse mês de futebol. Em particular, sobre o país do futebol, e sobre quão duro ele é consigo mesmo. Era um assunto sobre o qual eu já havia me apercebido há algum tempo, mas que durante a Copa mostrou-se de maneira gritante.

Primeiro caso: Brasil joga contra a Croácia. Durante o jogo, um torcedor, com uma camisa feita com tecido de toalha de piquenique, e um tabuleiro de damas pintado no rosto, invade o campo. Comentário no dia seguinte: "O torcedor croata que invadiu o gramado por 5 minutos correu mais em campo que o Ronaldo nos 90 minutos". Bem-humorado, não nego. Mas pense a seguinte situação: torcedor com camisa da seleção canarinho e rosto pintado com figuras geométricas distintas em cores primárias invade o campo. Aposto a falangeta do meu mindinho esquerdo que o comentário no dia seguinte seria algo como: "Brasileiro não respeita nada, não tem educação, só dá vexame. Faz a gente passar vergonha no meio da Copa". Do croata, nada foi dito - apenas aproveitou-se a chance para achincalhar ainda mais nosso atacante, e seu desempenho pífio.

Segundo caso: quatro torcedores gregos bêbados fazem gesto de saudação nazista num bar, após a vitória da seleção Alemã sobre o Equador, e são presos. Comentário no dia seguinte: "Nossa, como a polícia alemã é eficaz, e como a Alemanha leva a sério essa questão do respeito. Não como a bagunça que é aqui no Brasil, onde ninguém respeita nada, não olha pelos outros, muito menos se preocupa em corrigir os erros do passado". Dos gregos, nada foi dito.

Haverá, certamente, um terceiro caso digno de nota amanhã - que eu, como não sou advinho nem nada, ainda não posso narrar. Hoje, um torcedor italiano foi preso por tentar entrar no estádio com ingresso falsificado. Mas eu não ficarei surpreso se alguém falar algo como "aposto que foi um cambista brasileiro que vendeu o ingresso prá ele". E, sobre o italiano, a minha falanginha que segura a falangeta apostada no caso do croata entra na aposta, caso alguém faça alguma espécie de censura.

(Nota: claro que as apostas são fictícias, e servem apenas para dar dramaticidade ao texto. Um autor sempre lança mão de alguns artifícios para enfatizar sua retórica - o que não dá o direito a ninguém de criticar o italiano amanhã, e em seqüência ameaçar-me com uma machadinha...)

Bom, sem contar a seleção brasileira em si. Tudo bem, não ganhamos, e jogamos um "futebol burocrático". Muito parecido, aliás, com o de 1994. Mas em 1994 todos pulamos, e comemoramos - afinal, vencemos. Nesse, ficamos em quinto lugar. A seleção argentina (que terminou a competição atrás do Brasil) chega em seu país ovacionada. O Scolari chega em Portugal como um novo Sebastião. A torcida alemã sai às ruas para celebrar o terceiro lugar. Mas não! Nós, brasileiras e brasileiros, não podemos nos contentar com menos que o primeiro. Ficamos em quinto, mas decepcionamos. Não porque jogamos mal - o Brasil jogou um futebol cauteloso, mas fez seu papel nos cinco jogos (exceção feita talvez ao contra a Croácia, no qual o Brasil realmente "se perdeu" um pouco), inclusive criando algumas boas chances contra a França, que fechou-se completamente, e com isso garantiu por seus próprios méritos a vitória -, mas porque não conseguimos chegar lá.

E claro que isso se reporta a outros elementos da vida, fora da Copa do Mundo. Lembro-me, e conto aqui como anedota, de que certa vez ouvi: "Nossa, os metrôs da Alemanha são lindos!", e perguntei "Por quê?". Qual não foi minha surpresa ao receber como resposta: "Várias estações de metrô alemãs têm obras de arte"? "Como as de São Paulo?", retruquei. "Não, não, mas as de lá têm esculturas". "Como as de São Paulo?", repeti novamente, em tom irônico. E não recebi mais respostas. Talvez porque não houvesse. Há, sim, uma exigência exacerbada (inerente à cultura, talvez), de achar o nosso nunca bom o suficiente, e o de "lá de fora" sempre melhor. E, assim como na questão do "paradoxo da pobreza" que citei em outro artigo, não consigo entender a razão. Começo a achar que o erro, talvez, esteja em mim.

Mas não vejo aonde...

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Certa feita um amigo português conjecturou que tal comportamento poderia ter sido herdado dos portugueses, que também têm o hábito de criticar seu país em demasia.

segunda-feira, 10 de julho de 2006 às 14:12:00 BRT  

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